terça-feira, 30 de junho de 2015

EU, PALAVRA

No vazio. Cheio de nada. Nada além de abstrações profundas, daquelas que fazem a razão divagar por horas a fio questões sem respostas, como tempo, felicidade e realização. Me dei conta que só sei ser com palavra. Palavra escrita, traçada com geografia certa para transformar, representar e revelar o pensamento – seja ele sutil ou subliminar. 

Como palavra, pontuo de maneira reticente todo olhar que lanço diante do outro, da percepção que o outro constrói sobre minha interação com o mundo e as coisas do coração. Sempre repletas de delicadeza quando o assunto é amor, amizade, apreço, saudade, angústia e ansiedade. 

Ponto e vírgula; nasce uma sintaxe capaz de causar convulsão na alma, cansada de tanta espera, tanto porquê, tanta mania de buscar significado pra tudo que o corpo alcança com a mente, mas que desconhece com os dedos, tanto ranger de dentes ao perceber que nem tudo é como esperava, tanta pausa para refletir erros e ausências, tanto muro para frear a vontade (vista como insana) de amar quem o coração escolheu (há tempos – talvez já em outra vida). 

Diante da página branca desenho mil concordâncias para me esvaziar desse vazio, que só se perde quando se faz assim, com palavras soltas, quase sem sentido aos olhos seus. Aos meus, são antigas. Já que antes foram escritas aqui dentro...<3

Uma redenção que nasce de dentro para fora, de fora para dentro, num exercício de sobrevivência capaz de calar demônios e o pranto que desagua na cia de um bom vinho tinto e canções italianas que despertam “muiteza”, como diria o Chapeleiro Maluco. Depois de palavra, só sou abstração. 

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

É TUDO SEU

É tudo seu, meu amor.

Esse corpo remendado por saudades e marcas que teimam em não sumir,
em não virar cicatriz tatuada sob a pele.

Esse coração meio vazio e meio cheio.
Vazio por sua ausência.
Cheio por lembranças e apegos.

Essa alma que clama pelo seu abraço, seu colo,
seu beijo, seu andar charmoso por entre as sombras, calada noite.

Os pensamentos...
Vem e vão [ao seu encontro] a cada 5 minutos.

E cada centímetro passou sussurrar por ti,
assim que me dei conta que era sua posse, sua morada, seu porto, sua fuga voraz: Amor.

Essas palavras...
Escrevo antes dentro de mim...
Todas em letras maiúsculas, na tentativa que sinta, veja e ouça [em alto e bom som] esse meu pulsar contínuo, minha vida.

É tudo seu, amore.
Vivimi.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

AQUELE DO TESTAMENTO

A ideia do texto de hoje nasceu espontaneamente de uma conversa com uma amiga enquanto esperava o ônibus para o trabalho. Ela me zoou por querer programar nossa viagem para Uberaba no feriado de Carnaval, mesmo faltando duas semanas. “Nem sei se vou estar viva amanhã, Ju” ela disse. Dei risada, mas parei para pensar em minha ansiedade, vontade inútil de controlar o tempo e, principalmente, em minha existência: duração, sentido e intensidade. 

Em segundos embarquei em uma viagem de dentro para dentro que me levou até o centro dessa inquietude chamada amanhã. Lá eu iniciei um passeio por saudades imensas, daquelas que chegam a doer e calar fundo o coração. Depois que a dor cessou com uma dose de esperança e intuição, eu visitei os desafetos, que felizmente são poucos. Desejei com todas as forças, ter ao meu lado pessoas queridas que estão tão tão distantes da minha geografia. 

No final do tour me vi diante de um exercício mórbido, mas não menos divertido. O de desapegar de tesouros, objetos e apreços com um testamento que contava com uma cláusula irrevogável: Não será permitido aos beneficiários desfazerem dos artigos herdados, mesmo que estes sejam abstratos, como amor, respeito, carinho, admiração, cumplicidade e afinidade; ou simbólicos, como os álbuns da Norah Jones, os livros da Eliane Brum, o box de Friends e os filmes da Audrey Hepburn, Audrey Tautou e Juliette Binoche. 

Comecei a leitura mental do testamento. O primeiro beneficiário, meu pai. À ele deixo um amor imenso, uma admiração que me deu forças para superar todas adversidades que apareceram no meu caminho. Deixo também toda minha coleção da Laura Pausini. Porque sei que ele cuidará bem e curtirá como ninguém. 

Bem na hora que ia selecionar tudo que vou deixar para minha mãe, o ônibus parou diante de mim, por pouco não me atropela, dada a minha introspecção. Interrompi o exercício fúnebre para entrar, passar a catraca, escolher um lugar e abstrair até a hora de descer no ponto da Avenida Rebouças com a Rua Pinheiros. Mas a sensação de quase morte foi tamanha que esqueci de continuar com o lance da herança. O coração estava acelerado e eu, sem jeito, tentando disfarçar para os passageiros que me olhavam com preocupação, que estava tudo bem. É vida que segue, pra minha alegria.