quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

AQUELE DO TESTAMENTO

A ideia do texto de hoje nasceu espontaneamente de uma conversa com uma amiga enquanto esperava o ônibus para o trabalho. Ela me zoou por querer programar nossa viagem para Uberaba no feriado de Carnaval, mesmo faltando duas semanas. “Nem sei se vou estar viva amanhã, Ju” ela disse. Dei risada, mas parei para pensar em minha ansiedade, vontade inútil de controlar o tempo e, principalmente, em minha existência: duração, sentido e intensidade. 

Em segundos embarquei em uma viagem de dentro para dentro que me levou até o centro dessa inquietude chamada amanhã. Lá eu iniciei um passeio por saudades imensas, daquelas que chegam a doer e calar fundo o coração. Depois que a dor cessou com uma dose de esperança e intuição, eu visitei os desafetos, que felizmente são poucos. Desejei com todas as forças, ter ao meu lado pessoas queridas que estão tão tão distantes da minha geografia. 

No final do tour me vi diante de um exercício mórbido, mas não menos divertido. O de desapegar de tesouros, objetos e apreços com um testamento que contava com uma cláusula irrevogável: Não será permitido aos beneficiários desfazerem dos artigos herdados, mesmo que estes sejam abstratos, como amor, respeito, carinho, admiração, cumplicidade e afinidade; ou simbólicos, como os álbuns da Norah Jones, os livros da Eliane Brum, o box de Friends e os filmes da Audrey Hepburn, Audrey Tautou e Juliette Binoche. 

Comecei a leitura mental do testamento. O primeiro beneficiário, meu pai. À ele deixo um amor imenso, uma admiração que me deu forças para superar todas adversidades que apareceram no meu caminho. Deixo também toda minha coleção da Laura Pausini. Porque sei que ele cuidará bem e curtirá como ninguém. 

Bem na hora que ia selecionar tudo que vou deixar para minha mãe, o ônibus parou diante de mim, por pouco não me atropela, dada a minha introspecção. Interrompi o exercício fúnebre para entrar, passar a catraca, escolher um lugar e abstrair até a hora de descer no ponto da Avenida Rebouças com a Rua Pinheiros. Mas a sensação de quase morte foi tamanha que esqueci de continuar com o lance da herança. O coração estava acelerado e eu, sem jeito, tentando disfarçar para os passageiros que me olhavam com preocupação, que estava tudo bem. É vida que segue, pra minha alegria.

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