quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

O menino que colecionava sorrisos

Às 9h30 cheguei à Sé. E como de costume, estava com os fones presos aos ouvidos, cantando em silêncio uma canção da Laura (Pausini), em comemoração aos seus 20 anos de carreira. Distração entre acordes e agudos que não durou mais que 5 minutos. 

Felipe surgiu no outro lado da plataforma. Sentando em sua cadeira de rodas, como um verdadeiro Dom Quixote De La Mancha sob seu valente cavalo. Mas esse detalhe eu só perceberia depois – ao ver sua mãe empurrá-lo com cuidado vagão à dentro. 

Antes de o metrô chegar, ele deu início à sua missão do dia: despertar sorrisos. Ele acenou pra mim, como se visse alguém conhecido. Mas não, não tinha ninguém mais. E eu não estava segura que o aceno fosse pra mim, então não me movi. Fiquei como uma esfinge. Sem demonstrar emoção, com receio dela não ser minha, por direito.

Ele repetiu o aceno e deixou claro que eu estava enganada. Desfiz a esfinge e abri um sorrisão. Ele sorriu do outro lado, balançando um gibi da turma da Mônica. E logo imaginei que ele fosse portador de deficiência intelectual. Mas, me enganei novamente. 

Ao entrar no trem, o vi diante de mim, todo feliz da vida. Sem nenhuma amargura por estar ali preso, com cinto de segurança a uma carruagem moderna que inspira deficiência, dor e limitação. Sem nenhuma vergonha, começou a ler o gibi e eu fiquei atenta, mais ao seu gesto, que ao texto em si. 

Senti os olhos serem inundados por lágrimas alegres. Fiz um esforço, engoli-as e segurei-as entre a certeza que ele era feliz e a salvação. Não importava o que me acontecesse depois, no trabalho ou fora dele – o meu dia estava salvo. Salvo por um aceno. Salvo por um sorriso roubado. Quando me escondia dos ruídos da selva através da música. Então tirei um dos fones ao perceber que ele queria me dizer algo, mas não disse. Apenas pôs-se a admirar a tatuagem do meu pé direito por longos 2 minutos. 

Descobri seu nome porque ouvi sua mãe dizer: chegamos Felipe. Guarde a Mônica. Então ele guardou o gibi no colo e voltou a me mirar. Quando o metrô parou em Paraíso ele juntou as mãozinhas, em um movimento de vibração e bateu algumas palmas. 

Ao sair - olhou-me mais uma vez, disse ’tchau’ e deu um sorrisão de orelha a orelha. Sorri de volta, mas lamentei sua partida. Não trocamos mais que um tchau, mas sabia que ele havia falado comigo em meu silêncio introspectivo, em minha espera cronometrada até chegar à agência. Ele conversou comigo por longos 30 minutos sem me dirigir a palavra. Porque o seu diálogo foi feito de sorrisos sinceros e objetivos. 

Uma vez ou outra, durante o dia, me peguei sorrindo sem motivo. A turma da agência chegou até mesmo a dizer: hoje você tá que tá, hein? Sim. Eu tava que tava feliz. Feliz por ter conhecido o pequeno Felipe, o menino que colecionava gibis e sorrisos.

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